quarta-feira, 15 de outubro de 2008

The Lizard King

O quarto tinha aquelas luzes vermelhas típicas de um cabaré. Como Casas de Amor velhas, empoeiradas e cheias de sexo pelos cantos escuros, rangendo gemidos.

Da porta pra fora existiam pessoas. Vivia com elas. Tinha certeza que existiam. Ouvia os choros, os talheres e as eventuais risadas vazias das fantasmagóricas pessoas da sala de jantar.

Havia fechado a porta, era o que importava, daquele quarto mal iluminado. Tirou mais um cigarro do pequeno estojo de prata e acendeu com um prazer virginal. Puxava toda aquela fumaça suja para dentro dos seus pulmões. Absorviam o câncer, o acomodavam e então dissipava pelo ar.

Pegava-se observando intensamente o altar. As velas queimavam com paciência, acompanhando o incenso de sândalo, se transformando em uma linha contínua e tênue de perfume. As flores mantinham o ar morto daquela composição, que se completava com drogas, amuletos e uma grande moldura do Rei Lagarto.

Ela concentrou-se na frente dele enquanto a música começava. E então ele começou a falar.

Aquela voz. Alcançava os ouvidos, invadia a cabeça, espalhava-se pela boca, garganta e coração. Ela quase podia ver as cores se formando, inundando o quarto, extinguindo a existência.

Fechou os olhos, transformando aquela casa e tudo que estivesse ao seu alcance em algo inexistente. Em algo distante demais para ser lembrado.

Suas costas roçavam no papel de parede mofado, descascando ao ritmo da música. Dançava sem pressa, sem saber exatamente o que fazer. Seus pés mal abandonavam o chão, embora sentisse seu corpo flutuar.


Finalmente o toque. As mãos dele deslizavam lentamente por sua cintura, virando-a e puxando-a até ele. Dançavam enquanto a música ressoava como a única melodia permitida naquele momento. E então ela conseguia sentir os sussurros atravessando seu pensamento.

"I'm a spy in the house of love. I know the dream, that you're dreamin' of. I know the word that you long to hear. I know your deepest, secret fear."

As lágrimas já ensopavam o vestido velho, mas ela não ousaria abrir os olhos. Não ousaria olhá-lo nem por um segundo. Tocou-lhe o rosto enquanto dançavam. A textura era exatamente o que imaginava: a frieza de uma pele morta. Apesar de tudo, ela apenas queria estar ali, queria senti-lo até os ossos. Queria sentir o Rei Lagarto. Ele estava lá.

As mãos pesadas e sem nenhum sinal de vida, transformavam-se sutilmente em sonho. Enquanto vagarosamente soltavam-lhe o corpo, ela observava o fim se aproximando. Mas nada a faria parar de dançar.

"It hurts to set you free but you'll never follow me. The end of laughter and soft lies. The end of nights we tried to die. This is the end."

E ele se foi.

6 comentários:

Amanda disse...

humm. Daria um bom filme. Vou dar uma de Adriana Calcanhotto: Por que você não faz cinema? rss

Anônimo disse...

Adorei o início, me fez lembrar filmes antigos :D Eu não consigo gostar de The Doors, já ouvi várias vezes e simplesmente não engulo ;~

Isadora C. disse...

Se eu pudesse, também jamais pararia de dançar...
E texto foda, Tila!

Anônimo disse...

Amei esse texto! Mesmo! Me imaginei dentro daquele quarto só observando a cena, rs
Estará favoritada também, moça!
Beijos

Jess disse...

Oi, te adicionei aqui, até. /o/

Júlia disse...

ah, ele. me faz perder as palavras: mas vc as achou muito bem ! =D